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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Uma transubstanciação


Apenas um holofote estava aceso. E ele permanecia deitado, estático a observar a madeira polida em bronze. Naquele ambiente sorumbático não havia mais ninguém. Um murmúrio lá fora do vento... “Bravo...” Gritava o público em meio aos aplausos e assobios... – ele não tinha mais ânimo para levantar-se e estava confuso. Hora ribalta acesa, elenco todo no palco e a ovação da platéia; Hora o escuro de um teatro vazio sob a luz de um só âmbar. Um certo anacronismo anacoluto que não se pode explicar sequer com a mais arguta das percepções humanas nem, contudo, com as interpretações mais místicas e religiosa que se possa imaginar. Ou talvez fosse uma transubstanciação. O homem estava ali, deitado, nas trevas de um lugar ermo após um bater de pálpebras naquele instante fugaz da apresentação teatral. Levantou-se, limpou a indumentária do personagem que se vestia. Ficou sem entender. Mas afinal para onde foram as pessoas que ali estavam ha pouco? – ele não podia estar louco e, o que seria a loucura? Era um homem íntegro, inteligente e dotado de uma genialidade enorme para dar vida a papéis dos autores mais diversos. Sua família o amava, todos o amavam e ele não tinha problemas aparentes. Um sonho quem sabe. Mas suponho que sabemos diferenciar quimeras oníricas de momentos reais. Tanto pela disposição da luz, dos objetos, quanto da nitidez das coisas em si. O fato é que sempre conseguimos perceber e acordar quando o pesadelo realmente está nos incomodando. As coxias estavam ainda mais pretas e soturnas como a rotunda. Nada havia além do ator naquele lugar sombrio... O espetáculo acabara e as pessoas se retiravam para suas casas. Os atores e atrizes se recolhiam para seus camarins a se trocarem. – “Onde está Ofélia?” dizia aquele outro ainda vestido e sentado no cenário... O homem afligia-se em não entender o que estava havendo. Foi lá em cima na entrada do teatro e ninguém. Apenas uma rua escura e as portas estavam fechadas. Nos camarins não havia ninguém; Nem na maquinaria nem no fosso. – o som de uma coruja rasgava o céu no silêncio da noite. Pela manhã talvez chegasse alguém do teatro. Ele preferiu dormir ali mesmo, no chão de madeira... Todos já haviam se trocado e retiradas suas maquiagens iam-se embora. A mulher e a filha não agüentaram mais esperá-lo e foram até os bastidores, mas ele ainda estava no palco, sentado... “Papai” – exclamou sua menina. E ele, com seu olhar obtuso, dizia: “Onde está Ofélia? Preciso vê-la mais uma vez... ”Papai...”; “Querido...” Relutavam a mulher e a menina. – “Saiam daqui! Não Conheço vocês... Onde está Ofélia...” - Insiste o pobre homem... O outro, ou talvez o mesmo agora dorme nos latifúndios de sua própria mente.

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